21/07/2023 – Canal Energia
Medição inteligente avança com mais de 4 milhões de pontos no Brasil
Empresas saem da fase de P&D para instalações em escala a partir da redução de custos com otimização da operação e proteção à receita, além de empoderar clientes e a eficiência energética na era da informação.
Apesar dos desafios financeiros e regulatórios, a implementação da medição inteligente vem avançando no setor elétrico brasileiro, com algumas empresas saindo da fase de experimentações em P&Ds focados em alguns bairros ou pequenos municípios e partindo para instalações em lotes maiores a partir de reduções de custo pelos ganhos em escala. Nas contas dessa reportagem, o país conta atualmente com mais de 4 milhões de unidades consumidoras automatizadas, segundo levantamento com os principais grupos de distribuição de energia, para um restante ainda de aproximadamente 85,8 milhões em futuras implementações.
Além de disponibilizar em detalhes o consumo individual e otimizar o monitoramento e predição remota de falhas, ocorrências, furtos e demais perdas não técnicas, assim como o fluxo de carga
da geração distribuída e outros componentes da rede, colaborando para eficientização da operação, esses dispositivos podem ajudar as concessionárias no ajuste de preços e proteção à receita, incentivando também o uso mais responsável da energia e o empoderamento do consumidor. Novos serviços poderão ser oportunizados, como a própria abertura do mercado, opções de múltiplas tarifas e resposta à demanda.
Nessa semana a Cemig anunciou que irá investir mais de R$ 50 milhões para modernizar seu parque de medidores até o fim deste ano. Em 2022 foram 600 mil pontos trocados e mais de 340
mil até junho deste ano, restando ainda mais 260 mil unidades até dezembro nos planos da companhia. A iniciativa acontece em toda a área de concessão, provendo maior agilidade e segurança dos dados no processo de medição e leitura, facilitando também o acompanhamento por parte dos consumidores.
O principal ponto para os avanços nas instalações é o fechamento de uma equação entre geração de valor e custo, que começou a fazer sentido para algumas corporações, como a Copel. Com 10% de sua rede automatizada (500 mil pontos), a estatal em vias de privatização deve incrementar pelo menos mais 100 mil unidades até dezembro, para bater a marca de 1 milhão em 2024 e 1,6 milhão em 2025. A metodologia é chegar em uma determinada área e trocar todos os equipamentos por uma questão de escala e melhoria no custo, além da logística de instalação. “A rede é multisserviços, pois os dados dos medidores convergem no mesmo meio físico com os dados dos equipamentos da rede como religadores e capacitores, sendo possível a integração com iluminação pública, sensores em estacionamentos, semáforos e medição de água e gás”, define o Superintendente da Copel Distribuição, Julio Omori, à Agência CanalEnergia. Para ele novas receitas irão surgir para as distribuidoras equilibrarem suas contas, a partir do reconhecimento e ajustes na modicidade tarifária.
Quanto a priorização das regiões, fatores como volume de serviços a serem realizados, deslocamentos que possam ser reduzidos, potenciais de melhorias na qualidade de energia e o retorno sobre perdas não técnicas e inadimplência são levados em consideração. O primeiro conceito de redes inteligentes da empresa foi em 2018, na cidade de Ipiranga, com mil medidores e artigos publicados e resultados consolidados que apontam para expansão em escala e para uma Infraestrutura Avançada de Medição (AMI, em inglês) e padrão WI-SUN, sem fio e por rádio frequência, se encaixando como uma luva para as smart cities.
“A maior parte das distribuidoras tem de 15% a 20% de serviços improcedentes. Como fazemos 265 mil serviços por semana, imagina os ganhos em começar a reduzir drasticamente esse quadro, a partir da avaliação remota”, pondera, salientando que o processo de automatização é algo perseguido pelas distribuidoras para mais qualidade e velocidade dos serviços a um custo mais baixo.
Integração com iluminação pública, sensores em semáforos e medição de água e gás
Para atingir os 1,6 milhão de consumidores em dois anos a projeção é de aproximadamente R$ 700 milhões em investimentos, valor que anteriormente era de R$ 802 milhões, mudando a partir
de um desconto pela aplicação em escala, com a última licitação saindo a R$ 400 o medidor. Restariam ainda 3,5 milhões de clientes paranaenses para aproximadamente R$ 1,7 bilhão em
recursos, tomando o preço médio de R$ 500 por ponto. “Esse valor total restante poderia ser diluído em sete ou oito anos, com cálculos de 2% a 3% de impacto nas tarifas”, refere o executivo.
Na avaliação do presidente da Abradee, Marcos Madureira, os aportes que têm sido realizados precisam ser identificados nos processos tarifários sem aumentar custos aos consumidores, reforçando que as implementações viáveis economicamente irão trazer ganhos ao sistema e na opção do cliente, com os equipamentos se pagando. “Existe uma necessidade de definição de quais são essas oportunidades de multitarifas, além de outras vantagens que podem reduzir custos quando determinadas atividades passam a ser feitas de maneira remota”, salienta.
Depois da questão financeira, Madureira destaca a comunicação em algumas regiões como principal desafio, em áreas que não permitem a aplicação dos medidores de forma mais intensa, além das tarifas que permitam de fato aplicar o aparelho por alguma razão. “Hoje temos o PLD horário refletindo o custo da geração de energia ao longo do dia. Ao dar essa sinalização ao consumidor é permitido que se tenha mais eficiência nesse processo, o que atualmente não é possível”, complementa.
O presidente da Abradee cita um programa importante começando a ser desenvolvido no setor, denominado Sandbox Tarifário, onde serão testadas algumas modalidades de múltiplas tarifas e que devem imprimir um crescimento na implementação da medição inteligente, com mais informações e interação com o clientes por meio de preços adequados e que traduzem o real custo que a energia admite em determinado momento para um uso mais adequado dos consumidores.
“Não será preciso trocar todos os parques, mas para aqueles que lidam com maiores cargas fará sentido”, aponta, afirmando que a entidade e a Aneel farão a coordenação das implantações, a
partir de um cronograma de cinco anos e a abertura de mercado para baixa tensão em que os medidores serão imprescindíveis. São seis projetos envolvendo diretamente mais de 41,5 mil UCs
da CPFL Piratininga, Santa Cruz, Paulista e RGE; Enel São Paulo; EDP SP, Neoenergia Elektro e Brasília; Equatorial Alagoas e CEEE, além da Energisa Sul-Sudeste, Paraíba e Tocantins. Orçados
em R$ 76,7 milhões, terão R$ 61,2 milhões financiados pelo P&D gerido pelo poder regulador e duração média de 30 meses.
Procurada pela reportagem, a Enel Distribuição São Paulo disse que acompanha as discussões relacionadas ao tema e defende os avanços necessários para promover a adoção da tecnologia em escala no Brasil como parte importante dos esforços para a modernização e digitalização do setor. A companhia almeja ter toda sua rede inteligente em cinco anos, tendo começado a primeira fase de seu projeto piloto em março de 2022, beneficiando 150 mil moradores de Pirituba e Perus, bairros da Zona Norte da capital paulista.
Existe uma necessidade de definição de quais são as oportunidades das multitarifas
A segunda teve início em maio de 2022, com a instalação dos novos medidores nos bairros da Freguesia do Ó e Brasilândia. Até o momento já foram instalados cerca de 400 mil medidores inteligentes em toda área da concessão. O investimento é de cerca de R$ 227 milhões, sendo R$ 121 milhões com recursos do P&D da Aneel e mais de R$ 126 milhões aportados pela própria empresa, que planeja ampliar gradativamente a adoção dos smart meters conforme a evolução da regulamentação do segmento.
Atuando nesse mercado internacional há 20 anos, a holding adota tecnologia própria da subsidiária Gridspertise, ajudando também a desenvolver as cadeias locais envolvidas na fabricação dos equipamentos, que tem como principais players no Brasil a Landis+gyr, Electra e Nansen. Substituiu 100% dos modelos antigos por inteligentes para mais de 45 milhões de unidades consumidoras em todo mundo, sendo 31 milhões de aparelhos apenas na Itália. Entre os outros países que já receberam a tecnologia estão Espanha, Romênia, Argentina, Chile, Colômbia e Peru.
Já a Neoenergia reporta quase 600 mil medidores instalados em suas concessões, tendo empreendido R$412 milhões e recebendo o retorno dentro do modelo de depreciação dos equipamentos da Aneel, diluído ao longo de 13 anos. Atualmente a companhia tem atuado nesse mercado de duas formas: ou por projetos específicos, como no caso de Atibaia, que conta com 75 mil pontos e toda rede elétrica automatizada, ou pelo crescimento orgânico do mercado, indo de nicho por nicho a partir dos benefícios mapeados tanto para o cliente como para a empresa, além de algumas aplicações ao sistema.
No segundo caso, um exemplo trazido pelo superintendente de Smart Grids da Neoenergia, Ricardo Leite, é de uma fazenda no interior da Bahia em que a instalação de um medidor inteligente foi pertinente, já que, além de diferenciar ocorrências individuais de coletivas na rede, para fazer a leitura do cliente, assim como corte e religamento, o deslocamento era de quase 300 km. Já Atibaia tem sido um grande laboratório para entender a vida útil dos equipamentos e quais os requisitos mínimos para as funcionalidades que se desejam, tendo também um viés de digitalização do atendimento ao cliente, em que será disponibilizada toda leitura horária dos medidores.
“Conseguimos ter uma clareza maior do que e como avançar de uma maneira mais prudente e também eficiente, experimentando tudo numa única região e vendo que uma rede de comunicação privativa é muito interessante quando se tem vários serviços agregados”, comentou à Agência CanalEnergia, referindo-se a um medidor conectado via WhatsApp e rádio frequência Mesh WI-SUN, e via PLC Prime, meio a meio. Em Brasília a expectativa é instalar mais 7 mil pontos nesse ano, juntando-se a outros 1.820. Outro projeto é em Fernando de Noronha, com mais de mil aparelhos funcionando e compreendendo 93% dos consumidores no arquipélago.
Para o especialista, sem comando regulatório como aconteceu na Espanha, as implementações acontecerão numa velocidade menor no Brasil, mas a uma pressão tarifária também menor, cabendo a cada distribuidora definir os nichos de maior viabilidade e onde se consiga usufruir dos benefícios das novas tecnologias, melhorando a qualidade do serviço e a proteção das receitas. Não obstante o Rio de Janeiro foi pioneiro no país com as medições centralizadas na média tensão como blindagem para redução das fraudes e roubos de energia.
“Saímos da média de consumo mensal para projeções de pico e horários conforme modelos matemáticos, por uma média real. Eu sei quanto entrou de energia e circulou pela rede inteira e consigo estimar a carga horária ou pelo menos diária ao longo do sistema”, ressalta, destacando o poder que a informação poderá levar a análises, estatísticas e o perfil de consumo para orientação dos clientes e das equipes técnicas, com ajuda de inteligência artificial e big data.
Medidor no grupo B custa R$ 1.500 em média com instalação e infraestrutura de Telecom
É nesse nicho da inovação de aplicações para os medidores e integração de processos que a CAS Tecnologia vem se destacando na análise automática de grandes consumidores como padarias, postos de gasolina e até uma refinaria da Petrobras, ou ainda com recursos smart grids para o gerenciamento de dados de mais de 2,3 milhões de clientes de 31 das 42 maiores concessionárias de energia do país. Segundo o CEO da empresa, Welson Jacometti, a nova solução Neuron usa a I.A como um mecanismo capaz de identificar rapidamente as perdas, reais ou potenciais, tendo uma visão georreferenciada das anomalias e trazendo resultados significativos na recuperação da receita.
“Fazemos o lado de integrar aplicações e todo e qualquer medidor que exista no mercado, harmonizando as informações”, resume o executivo, destacando o último lançamento, a família Neuron, que junto a IoT conseguiu aumentar a eficácia das inspeções técnicas das distribuidoras para pelo menos 80%, número que anteriormente ficava 10% e 30%. A solução contou com aporte de R$ 6 milhões para ser viabilizada, parte deste montante com apoio do BNDES. “Nossa efetividade medida por distribuidora está perto de 92%, enquanto sem inteligência artificial a mesma atividade nunca passa de 15%”, atenta.
Na visão de Jacometti, o país vive um período de ajustes das novas tecnologias, visto cada fabricante por vezes interpretar uma demanda de maneira diferente, mas que todas as questões ligadas a digitalização vão convergir em termos regulatórios, com o ritmo de adoção sempre dependendo dos fatores de depreciação e regulação. “O mercado vai se autobalizando até chegar no ponto. Mas quando estabelece certas obrigatoriedades para as distribuidoras, como qualidade de energia e informação, isso obriga as trocas dos instrumentos de medição por um que a faça com mais dados e qualidade”, complementa.
Outros desafios
Entre outros desafios mapeados pela reportagem, estão debates sobre requisitos mínimos e ciclo de vida dos equipamentos, a definição de uma rede de comunicação padrão, a interoperabilidade entre os recursos, mão de obra especializada e a nova relação das concessionárias com os clientes. Quanto a definição de um requisito mínimo, Ricardo Leite, da Neoenergia, entende ser preciso amadurecer algumas discussões ainda no Brasil, visto que cada empresa tem sua estratégia e parâmetros, o que dificulta um pouco a redução dos custos. Ele cita discussões com a CCEE, Aneel e o ONS sobre o modelo a ser orquestrado para abertura do mercado da forma menos onerosa aos consumidores.
“Quanto mais claro a regulação sobre qual é essa trajetória que as distribuidoras vão ter, principalmente após a abertura do mercado de 2024, as empresas vão poder planejar melhor o ciclo do medidor mais ajustado dentro dos requisitos necessários”, aponta, ressaltando que uma padronização dos medidores poderia fomentar mais o mercado com novos fornecedores e players alinhados, melhorando também as margens financeiras do negócio.
Atualmente a Aneel definiu os requisitos para os três postos horários da tarifa branca, pouco difundida ainda no país, mas ainda faltam as aplicações behind the meter para maior integração de dados visando controle de sistemas de GD, armazenamento e no avanço da mobilidade elétrica. Com a rede de recargas crescendo cada vez mais, poderá se constituir em um novo impacto no atendimento pela infraestrutura de distribuição, sendo a tarifação da eletromobilidade um caminho para viabilizar a cobrança de maneira integrada e utilizando a rede de comunicação dos medidores inteligentes para os carregadores dos veículos.
Segundo Julio Omori, da Copel, antes de pensar em mais instalações é preciso esperar a agenda regulatória discutir no segundo semestre o tipo de medidor e suas funcionalidades para que as empresas trabalhem com algo mais factível quanto a padronização. Ele lembra ser possível a demanda horária ou medição de tensão, mas reforça que metrologicamente é preciso passar pelo aval do Inmetro, o que para a tarifa branca demorou quatro anos.
“Após a resolução da GD veio uma proposta de instalação de um medidor em cada unidade da modalidade com diversos requisitos, o que o mercado respondeu que esse tipo de desenvolvimento iria demorar mais dois anos”, exemplifica. Outro ponto discutido no setor há muito tempo é sobre a vida útil dos equipamentos, com os estudos da Copel mostrando que dificilmente passam de dez anos.
Para o especialista, o ciclo de cinco anos a partir da remuneração é aderente para materiais tradicionais como postes, cabos, transformadores. Mas componentes de mais alta tecnologia e eletrônica embarcada, como inversores, sensores e controles não poderiam esperar por esse período para receber apenas metade do valor investido. “Os ciclos têm que ser mais curtos, assim como a vida útil dos medidores na regulamentação”, pontua Omori.
O diretor da V2Com, especializada em internet das coisas e soluções de telemedição adquirida em 2019 pela WEG, Guilherme Spina, disse à Agência Canal Energia, que além do momento de
mercado, as implementações não avançam mais rápido por conta da falta de definição de uma rede de comunicação padrão para o futuro das cidades inteligentes. Na parte regulatória, ele lembra de grupos trabalhando para que as utilities tenham uma faixa de espectro alocada, com a frequência de 900 MHz competindo com Wi-Fi e outras redes privadas.
Estamos no limiar de qual será a rede e o medidor a um custo ideal.
“Estamos no limiar de qual será a rede e o medidor a um custo ideal”, afirma, ponderando que já foram feitos projetos com todo tipo de comunicação, cada qual com suas vantagens e desvantagens, destacando a evolução considerável da telefonia celular e mais recentemente redes privadas numa frequência não licitada, sujeita a interferências e outras questões. A ideia é que essas vias sejam operadas pelas distribuidoras como solução de comunicação. “Uma rede Mesh em 900 MHz com padrão WI-SUN parece estar sendo a preferência do setor, com desenvolvimentos próprios da Copel, Celesc e Cemig”, complementa.
A infraestrutura de telecomunicações também é vista como um desafio pelo superintendente da Neoenergia, Ricardo Leite, assim como a questão da interoperabilidade entre os fabricantes, com cada tecnologia tendo protocolos específicos que podem não dialogar e dificultar a fluidez da integração dos processos. “Talvez o setor elétrico esteja muito fechado em seus fornecedores e acho que temos oportunidades de trazer soluções que funcionam em outros mercados, fomentando novas aplicações como no agronegócio ou no setor de telecomunicações”, analisa.
Apesar disso, ele vê a indústria brasileira com um mix interessante e bem diversificado, seguindo os requisitos de qualidade do Inmetro e Anatel. A fabricação acontece por aqui, a maioria controlada por multinacionais chinesas. No caso do projeto em Atibaia, Leite ressalta o desenvolvimento de um sistema para que o medidor se conecte em diversas redes, públicas ou não, sem precisar de novos investimentos em equipamentos. “Teve a parceria de um fabricante que nos ajudou a ter uma frequência específica para poder disponibilizar a solução de conexão de forma automática”, conta.
O superintendente da Neoenergia também mencionou que quando se entra num cenário de telecomunicações, as empresas de energia terão também de aprender um pouco a ser como as de Telecom, se relacionando de outra forma com os clientes. “Desafio é ter uma rede de serviços em que eu possa, além do medidor, conectar carregador elétrico, equipes e outras tarefas, chegando a lugares distantes sem sinal celular ou por outros meios”, acrescenta. Nesse sentido novas tecnologias têm surgido para ajudar, mas ainda recaem no desafio do custo.
O engenheiro eletricista e especialista do centro de pesquisa, tecnologia e inovação do Insituto Lactec, Luciano Carstens, também atenta para a questão da interoperabilidade, uma vez que as
empresas decidem a telemedição com a contratação das centrais de controle onde irão trafegar toda informação dos medidores. “O grande desafio é a padronização e definição de normas entre as empresas para uma garantia de melhor integração, visto que o setor elétrico já tem sua interligação nacional”, pontua.
Na sua visão a regulamentação é fundamental pois facilitaria uma melhor padronização dos negócios, com a digitalização sendo um marco para o setor em termos de qualidade, agilidade e novos serviços. “Achávamos que as áreas de distribuição eram as mais atrasadas no setor, o que se inverteu ao notar-se que é a parte que está perto do mercado consumidor, sendo uma das mais estratégicas”, comenta, reafirmando a necessidade da definição dos padrões de comunicação, normas, DMLS e protocolos que os equipamentos vão precisar funcionar.
Desafio é a padronização e definição de normas entre as empresas para garantia de melhor integração
Fazendo um paralelo com o 5G, Carstens ressalta que a tecnologia começa com os termos de ajuste de conduto, para depois serem traçados os desafios e o começo dos trabalhos de cumprimentos de prazos e cronogramas, o que é mais complexo num país de dimensões continentais e com diferenças e particularidades como o Brasil. “Nesse ponto os principais desafios são de infraestrutura e acesso, atingindo as regiões mais interioranas”, define, acrescentando o custo de instalação, já que envolve pelo menos duas pessoas e diversas questões técnicas e de segurança.
Com um histórico de mais de 20 anos na medição eletrônica e tendo realizado P&Ds pioneiros, como na Ilha de Marajó, em que se tinha dificuldade para tarifar o fornecimento de energia em
meio a geração à diesel e pela falta de leituristas, atualmente o Lactec trabalha auxiliando nas questões relativas as redes e protocolos de comunicação dos sistemas, como o WI-SUN, além de
estudar outras aplicações para o aproveitamento de outras soluções aderentes como gestão da água, gás ou controles de iluminação pública, com toda rede integrada.
“Toda transformação passa por períodos de ajustes e calibração. Existe um nome que é a transição sociotécnica da inovação, sobre quais aspectos regulatórios e de governo irão auxiliar e
fomentar a adoção para novas tecnologias”, avalia, citando como principais trunfos da medição inteligentes a acurácia da informação e possibilidade de maior eficiência energética a partir do
poder da informação, incentivando o deslocamento do consumo para horários de maior demanda da rede, até para a demanda residencial não concorrer com a industrial.
Empoderamento do consumidor
Pensando no cenário mundial, a Europa está muito adiantada em relação as instalações. Os Estados Unidos também saíram na frente com sistemas de Drive-By de AMR (automatic meter reading), devido a quantidade de áreas urbanas espalhadas, para depois migrarem para diferentes redes, como as AMI, com provedores e frequências diferentes e por propriedade aberta. Já na América do Sul, Guilherme Spina, da V2COM, destaca o Chile e a Colômbia com modelos de transferir para o cliente algumas responsabilidades. “No Chile o usuário pode pagar uma tarifa menor para permitir que a distribuidora desconecte suas cargas em momentos de pico, com o medidor atuando para se aplicar esse tipo de tarifa, assim como na reconexão”, lembra.
Por sua vez, um diferencial da regulação colombiana é o consumidor escolher no mercado o medidor que será instalado em sua casa, já que os fabricantes não fazem a venda na distribuidora, mas no varejo. Enquanto isso no Brasil as licitações para as concessionárias impedem esse poder de escolha da marca do equipamento. Ainda assim, o empoderamento acontece pela sua visualização do consumo detalhado em minutos, além do panorama diário e uma previsão do consumo mensal, podendo indicar também ações de eficientização a depender das aplicações.
“O principal benefício é a capacidade de evitar o desperdício e poder tomar as decisões no momento correto”, pontua Spina, referindo-se tanto a atuação mais ativa dos consumidores como para operação do sistema e gestão das distribuidoras. Para ele, a efetivação da telemedição em massa pode num primeiro momento representar custo, mas depois a nova tecnologia tende a reduzir as tarifas de todos os agentes do sistema.
Para o Responsável por Operação de Medidores da Enel Brasil, Guilherme Dutil, existe também uma necessidade de familiarização do consumidor com a nova tecnologia e o melhor uso do sistema, o que inclui um trabalho de comunicação e orientação sobre as funcionalidades disponíveis via aplicativo de celular, por exemplo, para que os usuários se apropriem das soluções da forma mais eficaz possível. “A maior revolução desta tecnologia está no empoderamento do consumidor e na mudança de paradigma na relação entre os clientes e o seu fornecedor de energia”, crava, salientando o controle mais efetivo e eficiente pelas famílias, dando maior poder de decisão e a possibilidade de economizar na sua conta de luz.
Do ponto de vista do sistema elétrico, a telemedição para ele é a ponta final de todo um processo de modernização e digitalização das redes elétricas, potencializando transformações como a
expansão dos recursos energéticos distribuídos e da mobilidade elétrica. Para se ter uma ideia, a empresa registrou uma redução média de mais de 13 horas na realização de religações, uma vez
que a operação pode ser realizada quase em tempo real. Também foi observada maior adesão dos clientes que possuem medição eletrônica às faturas por e-mail e ao uso do App via celular.
“Os desafios dos projetos passam por questões como a adaptação da tecnologia já adotada pela Enel em outros países às características locais da rede, passando pela capacitação de mão de
obra e pelas discussões regulatórias envolvendo a adoção em escala dos medidores”, complementa Dutil.
Revolução da tecnologia está no empoderamento do consumidor e mudança de paradigma na relação com seu fornecedor de energia
Sobre capacitação, a Enel SP e o Senai criaram um curso gratuito visando preparar mão de obra para o mercado de trabalho. Nele são desenvolvidas competências voltadas à construção e à manutenção de redes convencionais de baixa tensão e habilidades para instalação de medidores inteligentes, com interpretação de diagramas e identificação dos novos tipos de redes e padrões
de entrada adequados, conforme as normas técnicas ambientais e de segurança e saúde no trabalho.
Julio Omori, da Copel, destaca a mudança de perfil dos eletricistas, que terão de realizar os atendimentos em aparelhos eletroeletrônicos e de telecomunicações por uma rede privada desenvolvida pela companhia. “Haverá uma complexidade maior em Tecnologia da Informação e da Operação para lidar com 400 mil medições em 15 minutos, num grande mar de dados para Big Data”, acrescenta, citando também as necessidades de proteção em cibersegurança, criptografias, segmentação de rede e bloqueios.
No caso os dados originados vão para os centros de operação e estação das distribuidoras para depois ao ONS, num cascateamento de informações que será cada vez mais integrado e que exigirá maiores investimentos e atenção para mitigação das vulnerabilidades do sistema, podendo eventualmente sofrer com problemas de desligamentos por ataques cibernéticos. Outro ponto levantado pelas fontes ouvidas na reportagem é a necessidade de maiores discussões sobre o destino e uso dos dados coletados pelas concessionárias, que terão uma fotografia da vida dos consumidores e deverão seguir os padrões da lei LGPD.
“É uma tecnologia semelhante ao que aconteceu há anos nos sistemas bancários e na área da saúde, com a TI entrando cada vez mais no setor elétrico” , acrescenta o diretor da V2Com, Guilherme Spina.
O que diz o regulador? Entrevista com o diretor da Aneel, Hélvio Guerra
O primeiro passo para colocar medidores eletrônicos e inteligentes no centro das discussões é incluí-la na agenda regulatória, o que segundo a Aneel está previsto para o biênio 2023-2024.
Entre os destaques, um estudo empreendido em parceria com a agência alemã GIZ e a consultoria PSR deve apontar, até o fim do ano, um cronograma de implantação e os impactos nas tarifas.
Além disso, está prevista a abertura de uma consulta pública para tratar do tema, com a expectativa de que até dezembro se consolide uma proposta de modernização dos equipamentos. Mais detalhes na entrevista abaixo, com o diretor da Aneel, Hélvio Guerra.
Será possível desenvolver tarifas que sejam mais fiéis à variação horária e locacional dos custos da rede, incentivando mudanças de hábitos de consumo
Agência Canal Energia: Como estão as questões regulatórias envolvendo a instalação de medidores inteligentes no Brasil? O que já foi definido e o que resta ainda avançar quanto à regulamentação?
Hélvio Guerra: Há algumas iniciativas tratando de medição em andamento na Aneel. Na agenda regulatória 23-24, há a atividade de avaliar a adequação dos sistemas de medição no contexto
da transição energética e modernização (TRV23-07, item 25). O estudo está sendo realizado em parceria com a GIZ e o foco é promover a modernização dos medidores utilizados no país considerando a expansão dos recursos energéticos distribuídos, abertura de mercado e novos modelos de negócio. Está prevista uma Consulta Pública ainda neste ano tratando do tema.
No andamento dos estudos, as áreas técnicas realizam reuniões com fabricantes de medidores, visando assegurar a aderência de eventuais exigências às práticas de mercado. Além disso, na
regulamentação da Lei 14300 através da REN 1059, de 2023, foi estabelecida obrigação de uso de medidores com funcionalidades adicionais em unidades consumidoras do grupo A que instalarem MMGD a partir de 2024. Trata-se de um passo no sentido de modernizar os medidores, preparando a rede para a transição energética em andamento.
Agência Canal Energia: Foi estabelecido algum tipo de cronograma para a implantação de medidores inteligentes em todo o país ou determinadas regiões? Quais os principais desafios previstos para essa expansão?
Hélvio Guerra: Não. Isso vai ser estudado no estudo citado na pergunta anterior. A expectativa é que no final deste ano haja uma proposta de modernização dos medidores. O principal desafio é
o custo. Todavia, há de se ter mente que a modernização é necessária para recepcionar as novas tecnologias e modelos de negócio que nascem com a disseminação dos recursos energéticos
distribuídos. Portanto, trata-se de uma necessidade que, cedo ou tarde, deve ser suprida.
Agência Canal Energia: Existe uma previsão de qual será o impacto nas tarifas dos brasileiros com a implementação das redes inteligentes?
Hélvio Guerra: Isso também será avaliado no estudo citado na primeira pergunta. Esse é um dado que deve constar na Análise de Impacto Regulatório a ser publicada até o final do ano.
Agência Canal Energia: Na sua visão qual será a principal vantagem para o sistema elétrico, para as empresas e os clientes com a medição inteligente? O que vai mudar efetivamente na vida desses três agentes do setor?
Hélvio Guerra: Com os recursos energéticos distribuídos há profunda alteração não apenas no papel do consumidor, mas também das distribuidoras. Os consumidores deixam de apenas
consumir energia e passam a deter ativos que podem ajudar ou atrapalhar, dependendo do sinal econômico, na operação da rede. As distribuidoras deixarão de ser “conectadoras de fios”, e
passarão a orquestrar um sistema dotado de pequenos sistemas de geração e armazenamento, transformando-se em operadora de sistema. E a medição é peça fundamental nessa transição,
seja para utilizar os recursos de consumidores pulverizados na rede ou para que a distribuidora possa operar o sistema nesta nova realidade.
Agência Canal Energia: Com a medição inteligente abrem-se novos produtos a serem oferecidos pelas distribuidoras. Quais seriam os principais e esse movimento poderá trazer economias na tarifa do consumidor?
Hélvio Guerra: A distribuidora passaria a despachar geração e armazenamento embebidos em sua rede. Além disso, com medição mais moderna, é possível desenvolver tarifas que sejam mais
fiéis à variação horária e locacional dos custos da rede, incentivando mudanças de hábitos de consumo. O resultado é um uso mais eficiente do sistema, evitando expansões para atendimento
da carga apenas nos horários de pico. Adicionalmente, conhecendo a rede em tempo real é possível economizar custos operacionais. Além disso, a medição moderna viabilizaria a prestação de serviços ancilares pelos consumidores. Portanto, há uma série de oportunidade de redução de investimentos e custos no sistema, além de novos ganhos para os consumidores.
Agência Canal Energia: Além dos benefícios com a evolução tecnológica, quais os pontos de atenção que podem aparecer com essas mudanças colocadas pela medição inteligente?
Hélvio Guerra: Esse processo de modernização exige mudanças de comportamento do regulador, das distribuidoras e do consumidor. Deve-se avaliar a aderência dos modelos de remuneração da distribuidora atual, e a renovação dos contratos de concessão é uma excelente oportunidade para isso. Devemos atentar para que os novos contratos prevejam flexibilidades para adaptar-se à nova
realidade, sob risco de tornarem-se obsoletos ao longo de sua vigência, a exemplo do que ocorreu com as concessões de telefonia fixa. Também deve ser ponto de atenção que os novos modelos de negócio mantenham o equilíbrio setorial, evitando subsídios ou qualquer forma de benefício de uns às custas dos demais.
Agência Canal Energia: As informações coletadas serão centralizadas nas distribuidoras? Como será feito o compartilhamento e disponibilização dos dados, além dos cuidados com as informações mais particulares e sensíveis?
Hélvio Guerra: Isso ainda não está definido. Mas a segurança dos dados e informações é princípio basilar do setor elétrico, e está previsto em Lei. A Aneel também desenvolve estudos de segurança cibernética para assegurar os direitos dos consumidores. Com a modernização dos medidores, este princípio torna-se ainda mais relevante.