26/09/2022 – Transformação digital no setor de água e saneamento
Os investimentos em transformação digital no setor de saneamento estão crescendo rapidamente, à medida que empresas mais bem capitalizadas e apoiadas por fundos globais estabelecem novos modelos de negócios e buscam soluções para aumentar a eficiência, ao mesmo tempo em que buscam reduzir custos e desperdícios.
Um dos principais impulsionadores desse processo é o novo marco regulatório, que abriu o setor ao investimento privado depois de promulgado, há dois anos.
As concessões de água e esgoto oferecidas após a aprovação da legislação levaram a compromissos de investimento de cerca de 47 bilhões de reais (US$ 8,9 bilhões) em julho passado, segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon).
Esse número considera as 16 licitações de água e esgoto realizadas pelos governos estaduais nos dois anos desde a aprovação da lei.
“A necessidade de transformação digital iá era uma realidade no setor. Com o novo marco legal, essa agenda foi acelerada para atender às novas exigências regulatórias, trazer melhor experiência ao consumidor e trazer inovação em tecnologia de operação, com indústria 4.0, loT, monitoramento remoto etc.”, disse Jorge Freire, diretor da Accenture Brasil para infraestrutura e utilidades, à BNamericas.
“O novo quadro e as oportunidades que gerou intensificaram a agenda digital das empresas do setor”, acrescentou.
Freire disse que a Accenture está prestando consultoria em projetos digitais com três dos maiores grupos privados que atuam no setor no Brasil: Aegea. BRK Ambiental e Equatorial Saneamento.
Esses projetos envolvem transformação de atendimento ao cliente, soluções digitais para faturamento, digitalização de centros de operações, soluções digitais para pagamentos e segurança cibernética.
A Aegea, cliente da Accenture, maior empresa privada do setor, com 49% de participação de mercado, iniciou atividades em seis cidades em 2010. Hoje está presente em 154 municípios de 13 estados, atendendo 21 milhões de pessoas. Em 2021, sua receita líquida foi de R$ 2,9 bilhões, um aumento de 27,1% em relação ao ano anterior.
A Aegea venceu seis licitações nos últimos dois anos: as parcerias público-privadas (PPPs) Ambiental Cariacica, no Espírito Santo, Ambiental Metrosul (Rio Grande do Sul) e Ambiental Pantanal (Mato Grosso do Sul), além dos blocos 1 e 4 da concessão da Cedae do Rio de Janeiro e serviços de esgotamento sanitário em Crato (Ceará).
Esses contratos envolvem R$ 26 bilhões em novos investimentos para a universalização dos serviços de saneamento no longo prazo.
O Ministério da Economia brasileiro afirma que a nova legislação aprimorou o foco nas metas de universalização dos serviços de água e esgoto, além de aumentar a concorrência com novos processos licitatórios para a prestação desses serviços sob concessão.
De acordo com o Ministério, o marco também proporcionou maior segurança jurídica para a privatização de empresas estatais e possibilitou o atendimento regionalizado de saneamento, com ganhos de escala e eficiência e comprometimento de novos investimentos.
Freire, da Accenture, está otimista em relação ao mercado.
“Nossa visão é que as perspectivas são as melhores possíveis para investimentos nos próximos anos. Estamos conectados às agendas dos principais players do setor (públicos e privados) e todos eles estão projetando investimentos razoáveis para estruturar a agenda digital e estruturar as empresas internamente para poder capturar as oportunidades que estão surgindo com a nova estrutura”, disse.
TUDO INTELIGENTE Em um recente evento de loT em São Paulo, Marcello Xavier, chefe de planejamento e desenvolvimento da Sabesp. a maior empresa estatal de água do país, disse que a empresa obteve importantes ganhos de eficiência com a instalação de 100 mil hidrômetros inteligentes, com sensores para leituras remotas de distribuição na região metropolitana.
Com o uso de múltiplas tecnologias, incluindo transmissão de dados de baixa potência LoRaWAN. da qual a Everynet é a maior operadora mundial, a empresa tem acesso a dados importantes, como volumes de água fornecidos e consumidos, perdas aparentes e eficiências operacionais, de acordo com o executivo.
Claudius Rubens, consultor de negócios para Saneamento da empresa chilena Sonda, uma das principais integradoras de tecnologia da América Latina, disse à BNamericas que a empresa está prospectando projetos de transformação digital com cinco empresas do setor de saneamento no Brasil.
Eles buscam principalmente soluções inovadoras que resolvam os problemas imediatamente, sem a necessidade de grandes implantações ou grandes investimentos, disse Rubens.
“Ainda temos uma demanda significativa por atendimento ao cliente [projetos] sob o conceito de 360 graus, para interagir com o cliente e melhorar a experiência dessa interação”, afirmou.
Os clientes também procuram usar sensores e loT conectados a componentes de grade que geram dados.
Rubens disse que a nova estrutura de saneamento tornou realidade o desenvolvimento sustentável das concessões e permite às empresas prospectar investimentos para atender às necessidades dos clientes.
No entanto, cada cliente tem um nível diferente de maturidade em relação à transformação digital, acrescentou.
Questionado sobre o cenário turbulento do Brasil no período que antecede as eleições do próximo mês e um contexto macroeconômico mais adverso para determinados investimentos privados, o executivo disse que a digitalização é uma necessidade e que a Sonda continua operando, independentemente do clima político e seus efeitos no mercado.
A multinacional brasileira CAS Tecnologia está participando de projetos de água inteligente no setor de saneamento no estado do Rio de Janeiro, além de trabalhar com distribuidores de água no Chile, disse à BNamericas o gerente de redes inteligentes da empresa, Octávio Brasil.
“Os principais objetivos desses projetos [de saneamento] são melhorar a gestão dos dados de distribuição e a medição do consumo.
Módulos de comunicação, com inteligência embarcada, e plataformas de gerenciamento e análise de dados para monitoramento de medições compõem as soluções que estão contribuindo cada vez mais e de forma irreversível para a qualidade dos serviços, monitoramentos para redução de perdas no sistema de distribuição, bem como tarifas e questões ambientais.” disse Brasil à BNamericas.
A CAS Tecnologia fornece suas soluções para a indústria na Europa, Oriente Médio, índia, Oceania, África do Sul e América do Sul. A empresa também tem forte presença no setor de energia, principalmente com aplicações de redes inteligentes.
A CAS aposta em novas oportunidades para digitalizar o setor de saneamento com tecnologia 5G emergente e até nova conectividade via satélite, nomeadamente para loT, IA e automação de processos.
O executivo disse que a nova estrutura de saneamento é “o início de uma reviravolta positiva… pois atrai investimentos e define metas de qualidade e cobertura dos serviços de distribuição e saneamento básico, demandas antigas e urgentes no Brasil”.
CLIENTE, EFICIÊNCIA E NOVOS MODELOS DE NEGÓCIOS A multinacional italiana Engineering, consultoria de transformação digital especializada em Utilities, considera o setor de saneamento como um de seus “mercados principais”, disse Filippo Di Cesare, CEO de Engenharia para a América Latina (Brasil e Argentina), à BNamericas.
“No Brasil, em especial, há muitos anos, investimos em soluções e hoje temos uma carteira de clientes de prestígio, com projetos que são referência para todo o setor”, disse Di Cesare.
A Engineering está trabalhando em três frentes com as empresas de saneamento: atendimento ao cliente, eficiência operacional e novos modelos de negócios/fontes de monetização, disse o executivo.
“A modernização trazida pelo arcabouço legal do saneamento obriga as empresas a passarem por uma transformação semelhante ao que ocorreu no setor de telecomunicações em décadas anteriores, em que o cliente passou de ‘refém’ de um serviço monopolista para se tornar o centro da ação”, disse Di Cesare.
O cliente [final], acrescentou, não é apenas um usuário passivo e deve ser atendido proativamente com qualidade e agilidade.
“Oferecer um melhor atendimento ao cliente envolve aprimorar o conhecimento (dados) das empresas sobre seus clientes para uma experiência diferenciada. Nisso, temos projetos e soluções inovadoras que permitem que as empresas se destaquem no mercado.” Em eficiência operacional, a Engineering oferece soluções para operações inteligentes, aplicativos orientados a dados, gêmeos digitais, sensores para coletar informações, armazenamento em nuvem e aprendizado de máquina para identificar padrões e prever cenários.
Uma das principais soluções implantadas pela Engenharia é o DHuO Data com inteligência artificial, que prevê perdas na distribuição da água coletada por meio de sensores que monitoram o consumo de água.
Di Cesare disse que a Engenharia também está ajudando as empresas do setor a explorar novas formas de monetizar ativos e aumentar as receitas, como disponibilizar dados via Application Programming Interfaces [API] para ecossistemas externos ou fornecer serviços de valor agregado (VAS), oferecidos por terceiros em formato de marketplace.
Os novos serviços oferecidos aos clientes podem incluir venda de seguros, caixas d’água, serviços premium, limpeza, entre outros, disse ele.
De acordo com o executivo, o novo marco legal torna o segmento atrativo para investimentos privados, estabelecendo objetivos claros e indicadores de eficiência, e isso está gerando um grande impulso para investimentos em tecnologia.
Quanto aos contextos macro e político, disse: “Seria ingênuo dizer que a política não tem impacto. Na verdade, é impossível dizer que o setor não tem uma exposição natural à política. As obras de saneamento têm um viés ambiental e social e não é por acaso que enfrentam grandes dificuldades de execução e conclusão.” O executivo se referiu a números do Tribunal de Contas da União (TCU), que mostram que o Brasil tem uma carteira de mais de 14 mil obras inacabadas de água e saneamento em contratos que totalizam 144 bilhões de reais.
O setor de saneamento, em especial, apresenta um grande número de projetos paralisados ou inacabados, principalmente devido à má qualidade das iniciativas, falta de recursos ou incapacidade da empresa contratada para realizá-los. A maioria delas remonta ao período anterior à entrada em vigor do novo quadro jurídico.
“Mas não há alternativa. O investimento em saneamento cresceu e crescerá muito nos próximos anos. O Brasil tem uma defasagem nessa área, pois não condiz com seu status de grande potência econômica mundial”, disse Di Cesare.